Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
25 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Decisão empréstimos fraudulentos a aposentados

    AÇAO CIVIL PÚBLICA

    AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

    RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

    D E C I S A O

    O M.P.F. ajuizou a presente ação objetivando, liminarmente, que o INSS passe, imediatamente, a adotar em todas suas Agências espalhadas pelo Brasil, a rotina de: a) suspender, no prazo de 48 horas, os descontos feitos em folha de pagamento, sempre que houver requerimento neste sentido dos aposentados e pensionistas, alegando a existência de fraude na contratação dos empréstimos consignados noticiados à Autarquia Previdenciária; b) restabelecer os descontos em folha de pagamento somente após a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil provar a regularidade do contrato de empréstimo; e c) cessar os descontos em folha de pagamento caso, após procedimento administrativo, a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil não comprove a regularidade do contrato de empréstimo.

    Pede ainda liminarmente que o INSS dê ampla divulgação da nova rotina a ser adotada, com a fixação de cartazes informativos, em locais acessíveis ao público, em todas as agências do INSS no Brasil, sob pena de pagamento de multa diária correspondente ao valor de R$ 10.000 (dez mil reais), em cada caso de descumprimento do provimento jurisdicional ora vindicado.

    Sustenta que, tendo tido notícias de segurados da ocorrência de descontos indevidos em seus benefícios previdenciários, foi informado pela Chefe da Agência da Previdência Social em Cachoeiro de Itapemirim de que quando há reclamação do segurado, o INSS oficia à instituição financeira, solicitando a documentação relativa ao empréstimo. Se a instituição financeira encaminhar a cópia do contrato de empréstimo ao INSS, supostamente assinado pelo segurado, o Instituto não pode cancelar o desconto no benefício previdenciário, ainda que o segurado alegue não ter assinado o contrato e se verifique que as assinaturas não se assemelham ... (fl. 05)

    Aduz que, por considerar equivocada a atuação da Autarquia Previdenciária, expediu a Recomendação MPF-PRM/CIT/ ES Nº 02 , DE 03.10.2007, a fim de que, quando noticiado ao Instituto a existência de fraude na contratação dos empréstimos consignados, que os descontos efetuados em proventos ou pensões de beneficiários fossem imediatamente suspensos, considerando a hipossuficiência dos aposentados e pensionistas, para, após haver a comprovação de tais fraudes.

    Alega que, apesar da recomendação, a rotina adotada pelo INSS continua sendo a de não suspender, de forma imediata, os descontos decorrentes de empréstimos consignados em folha de pagamento, nos casos em que os segurados afirmam haver fraude nos mesmos.

    Sustenta que a atuação da Autarquia fere a garantia constitucional de irredutibilidade do valor dos benefícios, ao impor aos segurados o excessivo ônus de terem seus benefícios descontados, enquanto aguardam o processo administrativo instaurado pelo INSS. Defende ainda a impossibilidade de se impor aos titulares de benefício o ônus de provar a existência de fraude na contratação dos empréstimos.

    Alega ainda que cabe à Autarquia Previdenciária a proteção do recebimento integral dos benefícios previdenciários, a impossibilidade de presunção de má-fé dos segurados, bem como a inexistência de prejuízo às instituições financeiras com a mudança da rotina adotada pelo INSS.

    Junta aos autos o Inquérito Civil que embasou a presente ação.

    Em sua manifestação, o INSS sustenta, preliminarmente, a necessidade de integração à lide das instituições financeiras como litisconsortes passivas necessárias, vez que não possui qualquer interesse em insurgir-se contra a ordem de cancelamento da consignação de valores nos benefícios previdenciários, e que as reais interessadas na manutenção ou no cancelamento dos empréstimos consignados são as instituições financeiras.

    Alega a legalidade de sua atuação, vez que se encontra vinculada a seus comandos internos, que impõem procedimentos específicos para o cancelamento de empréstimos consignados.

    Aduz que o cancelamento da consignação não depende, como afirmou o M.P.F., da inversão do ônus da prova vez que, caso a instituição financeira não logre êxito em comprovar a regularidade do empréstimo, a consignação cessará em 10 dias.

    Alega ainda que a concessão da medida liminar dependerá de alterações no sistema informatizado, que não podem ser feitas pela Autarquia Previdenciária, somente podendo ser levadas a cabo mediante a realização de estudos em conjunto com técnicos da DATAPREV.

    Aduz ainda que, em muitas hipóteses, o cancelamento dos empréstimos consignados não poderá ser cumprido de imediato, pelo fato de que, nos últimos dias de cada mês, o sistema informatizado promove o fechamento dos dados para que seja viabilizada a realização do pagamento, operação chamada maciça.

    Alega que a realização de qualquer alteração no benefício, após a realização da maciça e antes do pagamento, só poderá ser operacionalizada mediante a suspensão do pagamento do benefício, que deverá ser realizado por ordem de pagamentoPAB, dias após a data anteriormente prevista e que as dilações de pagamento dos benefícios causarão enormes transtornos para os segurados.

    Sustenta o excesso da multa diária pleiteada pelo M.P.F. já que, em muitas situações, nem mesmo a Diretoria de Benefícios de cada Estado tem condições técnicas de promover o cancelamento da consignação antes de seu efetivo pagamento.

    Alega ainda que, caso a liminar seja deferida nos moldes pleiteados pelo Ministério Público Federal, pode ser possível que, em um único dia, a Autarquia Previdenciária experimente prejuízos de milhões de reais.

    Pleiteia que, além de uma redução substancial da multa diária requerida pelo Autor, que o prazo para cumprimento da decisão, acaso deferida, seja de 5 (cinco) dias úteis, diante da impossibilidade material de atendimento da ordem em lapso temporal mais reduzido.

    Foi realizada audiência pelo Juízo, conforme consta da ata de fl. 218.

    DECIDO.

    Do litisconsórcio passivo necessário.

    No caso em exame, entendo que existem duas relações jurídicas distintas e com sujeitos distintos.

    Uma é a relação contratual entre o segurado e a instituição financeira, e a outra, a relação jurídica entre o INSS e o segurado.

    O objeto da presente ação traz em seu foco apenas a relação jurídica existente entre o Instituto de Seguridade Social e o segurado, tendo sido o objeto de tal relação jurídica - as prestações previdenciárias - as diretamente afetadas pelo procedimento do Réu, ora atacado na presente ação.

    Nos dizeres do Prof. Daniel Machado da Rocha [1] : Na relação jurídica de previdência social, como no direito público em geral, a relação jurídica não resulta de uma relação social preexistente, mas como elo jurídico artificial ajustado entre a instituição gestora do regime previdenciário e os beneficiários (segurados e dependentes), com o objetivo de assegurar a proteção estatal contra os principais riscos econômicos que afetam a vida em sociedade (fl. 19) .

    A relação de direito público em foco se pauta por determinados valores e princípios constitucionais e não é de qualquer forma afetada pela relação de natureza contratual, de direito privado, existente entre o segurado e a instituição financeira.

    Assim, não procede o argumento de que o INSS não teria interesse em consignar ou deixar de consignar os empréstimos: a questão que o vincula irremediavelmente à presente lide - e não afeta à outra relação jurídica subjacente - é a de que está jungido a valores e princípios constitucionais na sua atuação, mormente quando estabelece normas para a efetivação de qualquer desconto nos benefícios dos segurados.

    Até mesmo porque é imposição legal que apenas os contratos válidos e perfeitos possam gerar a obrigação de descontos nos benefícios dos segurados e cabe à Autarquia sim, em razão exatamente da natureza da relação jurídica que mantém com os segurados, zelar pela observância da legalidade não apenas dos descontos, como também dos procedimentos necessários à verificação de ilegalidades, segundo os preceitos constitucionais que devem pautar a sua atuação, em especial, à proteção constitucional de irredutibilidade dos benefícios previdenciários.

    Também por tal fundamento entendo que não há litisconsórcio passivo necessário entre a Autarquia-Ré e as instituições financeiras.

    Adentrando no mérito da questão propriamente dito, importa verificar o procedimento adotado pela Autarquia-Ré em caso de reclamações de fraudes pelos segurados e a sua adequação ao sistema normativo, sobretudo constitucional.

    O empréstimo consignado foi instituído pelo art. 6º , da Lei n. 10.820 , de 17 de setembro de 2003, com redação dada pela Lei n. 10.953 /2004, que assim dispõe, in verbis:

    Art. 6 o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1 o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS . (grifos meus)

    Quando ocorrem reclamações de beneficiários de que a consignação em seus benefícios é indevida, adota-se o procedimento previsto na Instrução Normativa INSS/ DC nº 121 , de 01.07.2005, publicada no DOU de 11.07.2005, editada com base no permissivo legal contido no art. 6º , acima citado.

    A referida Instrução Normativa assim dispôs, em seu art. 8º :

    Art. 8º As reclamações, quanto às operações previstas nesta Instrução Normativa, deverão ser formalizadas na Ouvidoria-Geral da Previdência Social - OGPS, por meio eletrônico ou PREVFone, observados os seguintes procedimentos: I - ... quando tratar-se de reclamações que envolvam fraudes ou descontos indevidos em benefício: (Nova redação pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    a) o segurado/beneficiário formalizará a reclamação, informando todos os elementos necessários para viabilizar, quando for o caso, o ressarcimento dos valores descontados indevidamente; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    b) se não possuir conta-corrente, o segurado/beneficiário deverá informar à agência bancária onde recebe o beneficio; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    c) formalizada a reclamação, a OGPS deverá remetê-la à Diretoria de Benefícios-DIRBEN, que cientificará a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil concessora do empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil do registro e teor da reclamação, solicitando o envio da comprovação das informações pertinentes e da autorização prévia e expressa da consignação/retenção /constituição de Reserva de Margem Consignável-RMC, no prazo de dez dias úteis, devendo ser observado o disposto nos 3º, 6º e 7º do art. 1º ; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    d) caso a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil, no prazo de até dez dias úteis, não apresente a autorização do beneficiário/segurado para o desconto, não se manifeste ou o faça de forma não conclusiva, deverá a DIRBEN adotar os procedimentos de aplicação das sanções previstas no art. 16 desta Instrução Normativa; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    e) no caso da alínea anterior, deverá a DIRBEN adotar os procedimentos de cancelamento da consignação; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    f) a DIRBEN, após a análise das respostas encaminhadas pelas instituições financeiras ou sociedades de arrendamento mercantil, cientificará a OGPS do cancelamento, para que informe ao segurado das providências efetivamente adotadas. II - no caso de reclamações apresentadas nas instituições financeiras ou sociedades de arrendamento mercantil e que envolvam fraudes ou descontos indevidos em benefício, sem prejuízo dos procedimentos cíveis e criminais que couberem, deverão ser observados os seguintes procedimentos: (Nova redação pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    a) no prazo de até dez dias úteis, comprovar ao reclamante procedência ou não da reclamação de fraude; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    b) nos casos de retenções ou consignações constatadas como fraudulentas ou indevidas, a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil deverá informar imediatamente à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social-Dataprev, para seu cancelamento; (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    c) proceder ao ressarcimento dos valores descontados indevidamente ao segurado, no prazo do 5º deste artigo, se for o caso. III - Em se tratando de reclamações apresentadas nas Agências da Previdência Social-APS, e que envolvam fraudes ou descontos indevidos em benefício, esta deverá formalizá-la imediatamente na OGPS, por meio eletrônico, que adotará os procedimentos previstos no inciso I, alínea c deste artigo. 1º Tratando-se de reclamações que reportem irregularidades de operacionalização, informações e queixas que não envolvam ressarcimento ou devolução de valores, deverão ser adotados os procedimentos previstos nesse artigo, sendo o prazo de resposta de trinta dias corridos. (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    2º A DIRBEN, quando da apresentação de documentos que comprovem a existência efetiva do empréstimo ou da regularização da situação reclamada, adotará os procedimentos visando à reativação da consignação/retenção cancelada. (Incluído pela IN INSS/PRES Nº 5, DE 12/05/2006 )

    3º a 9º omissis .

    Da leitura acima decorre que o procedimento de suspensão do desconto considerado indevido só ocorre quando, após encaminhada a reclamação à Ouvidoria do INSS nos casos em que formalizada pelo segurado junto à agência e posterior encaminhamento da questão à Diretoria de Benefícios DIRBEN, for dado ciência à instituição financeira no prazo de 10 dias úteis, solicitando-se a esta que envie a comprovação das informações pertinentes e da autorização prévia e expressa da consignação pelo segurado. (art. 8º, I, alínea c)

    Depreende-se ainda da leitura do texto da instrução normativa que apenas após a análise das respostas encaminhadas pelas instituições financeiras ou sociedades de arrendamento mercantil, a DIRBEN Diretoria de Benefícios cientificará a OGPS do cancelamento, para que informe ao segurado das providências efetivamente adotadas.

    Ainda consta no 2º, do art. 6º da referida lei:

    2 o Em qualquer circunstância, a responsabilidade do INSS em relação às operações referidas no caput deste artigo restringe-se à: (Redação dada pela Lei nº 10.953 , de 2004)

    I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado.

    Ressalto que a referida norma deve ser compreendida no contexto exatamente do seu caput , que define que os segurados devem autorizar o desconto, ou seja, um desconto que não foi previamente autorizado pelo titular do benefício é ilegal e não pode ser efetuado pela Autarquia-Ré, não prevalecendo aí a ressalva genérica à sua responsabilidade diante do titular do benefício, tal como levaria a pressupor uma interpretação meramente literal do contido na expressão em qualquer circunstância.

    Tal entendimento repousa exatamente na natureza da relação jurídica existente entre o Instituto Réu e o segurado, tal como já exposto anteriormente.

    Na verdade, quando há um desconto fraudulento, eis que não houve um contrato de empréstimo firmado pelo segurado e a instituição financeira, não há qualquer respaldo legal para o desconto, e os prejuízos decorrentes de tais descontos ilegais geram, a meu ver, inequívoca responsabilidade da Autarquia Previdenciária, agente que retém os indevidos valores, e que, apesar de instada pelo segurado da não legitimidade dos descontos, não os suspende imediatamente, submetendo o segurado ao aguardo do exame dos processos administrativos para, só então, fazer cessar os descontos feitos em seus benefícios, verbas de inequívoco caráter alimentar.

    A alegação do Réu de que quando a instituição financeira não logra êxito em comprovar a regularidade do empréstimo, a consignação cessa em 10 dias não resiste à mera leitura da Instrução Normativa emanada do Réu, da qual decorre ainda que o tempo decorrido desde que o segurado comunica a fraude ao INSS, até a efetivação da suspensão do desconto indevido, dure muito mais que dez dias.

    Tal fato já seria suficiente, a meu ver, para ensejar a mudança no procedimento adotado pelo Réu, pois pode gerar para o segurado o ônus de suportar descontos ilegais em seu benefício até mesmo por meses, o que efetivamente foi demonstrado pelo M.P.F. no inquérito civil que embasou o ajuizamento da presente ação (fls. 18/187).

    Com efeito, o procedimento é o seguinte: feita a reclamação junto à agência, esta é encaminhada à OGPS, que a remete à DIRBEN, que cientifica a instituição financeira, que tem o prazo de 10 dias para comprovar que o contrato é válido. Se esta não conseguir comprovar a validade do referido contrato, não diz a norma, tal como afirmou o Réu, que haverá o cancelamento da consignação. Não. A espera do segurado ainda não terminou. A DIRBEN deverá adotar os procedimentos de aplicação de sanções à instituição financeira, e depois, adotará os procedimentos de cancelamento da consignação e não o imediato cancelamento e depois a DIRBEN cientificará a OGPS do cancelamento e esta informará ao segurado das providências adotadas.

    Importante ressaltar que, além da previsão normativa do prazo de 10 dias de resposta das instituições financeiras ao INSS, não há qualquer outro prazo fixado para que a Administração gere as comunicações entre os seus diversos setores administrativos, bem como não está fixado para o INSS qualquer prazo para a análise das respostas das instituições financeiras, nem qualquer prazo para o cancelamento, após a referida análise.

    Assim, considerando o gigantismo da máquina que, infelizmente, não conta com a reputação de eficiência a seu favor, é mais do que provável que os descontos ilegais nos benefícios realmente durem meses, com a redução dos valores a que o segurado faz jus, em até 20%, sem que lhe tenha dado qualquer causa.

    Impõe-se a alteração do procedimento do Réu, pois o mesmo possibilita inequívoca violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, vetor axiológico de interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico do País.

    Com efeito, considerando o valor irrisório da maioria dos benefícios, qualquer redução em seu valor compromete o próprio sustento do segurado e de sua família, e, sem comida, não há dignidade.

    Pontualmente, ainda ocorreu a violação ao princípio constitucional da irredutibilidade do valor dos benefícios, pois a efetivação de descontos não amparados pela lei, eis que não autorizados pelo segurados, geram a redução nas verbas por eles recebidas, as quais, por sua natureza alimentar, foram objeto de proteção específica do legislador constitucional.

    Ressalto apenas que a norma em comento, contida no art. 194 , Parágrafo único , IV , da Constituição da República de 1988, vincula o Poder Público em geral, ou seja, o legislador, o administrador público e o juiz.

    O procedimento adotado pelo INSS realmente impõe ao segurado, por vias oblíquas, o ônus de provar que o desconto é ilegal, tal como sustentou o Parquet Federal .

    É que, quando há a reclamação do segurado de que o desconto é indevido, a instituição financeira é instada a se manifestar e, apenas após não ter conseguido comprovar a regularidade do contrato, o desconto no benefício é suspenso.

    A correta compreensão do princípio da inversão do ônus da prova geraria a imediata presunção de veracidade da afirmação feita pelo segurado de que o desconto é indevido, e, conseqüentemente, sua imediata suspensão.

    Não se sustenta a tese de que haveria aí a necessidade de oitiva prévia da instituição financeira para, após, haver a suspensão, vez que, no curso do processo administrativo, à mesma será oportunizada a defesa do contrato de empréstimo.

    Tal dilação de prazo não gera qualquer prejuízo para a instituição financeira - que não é a parte hipossuficiente na relação com o segurado - mas, reversamente, a dilação de prazo para suspensão do desconto indevido gera, para o segurado, prejuízo que pode se revelar insuportável, em razão exatamente da já mencionada natureza alimentar do seu benefício.

    Assim, a desigualdade econômica evidente entre as partes envolvidas o segurado e a instituição financeira impõe a atuação do Estado-juiz para determinar a correção do procedimento do Réu, repousada também na observância do princípio da isonomia, que também tem sede constitucional. (art. , CRFB/88).

    Obviamente que o segurado que, falsamente, alegar fraude no desconto consignado, pretendendo se eximir dos ônus contratuais que assumiu validamente, responderá não só civilmente por todos os encargos contratuais, inclusive a mora no pagamento, junto à instituição a que deu causa, como ainda criminalmente pela falsidade dolosamente praticada.

    Assim, as instituições financeiras, em hipóteses de má-fé do segurado, não sofrerão prejuízos, ao passo que, a se manter o atual procedimento, os prejuízos causados aos segurados são de difícil reparação ou até mesmo irreparáveis.

    Da adequação da utilização do CDC ao caso.

    A Lei 8.078 /90, ao alterar o art. 21 , da Lei 7.347 /85, ampliou o alcance da ação civil pública e das ações coletivas para abranger a defesa de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que presente o interesse social relevante na demanda. In casu , os direitos em questão tem a natureza de direitos individuais homogêneos, aplicando-se aos mesmos a disciplina do Título III, da Lei que institui o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 /90), conforme dicção do art. 21 , acima citado.

    Da multa diária

    Diferentemente da tese sustentada pela Autarquia, entendo que a multa aplicada pelo juiz não deve necessariamente guardar relação com o valor econômico de cada benefício suspenso.

    Na fixação da multa o juiz deve ponderar o valor que será suficiente para encorajar o Réu ao cumprimento da liminar, em razão dos ônus financeiros que suportará, se assim não o proceder.

    Neste sentido, seu valor não pode ser irrisório, pois, caso contrário, não se prestará ao fim pretendido, nem excessivo, vez que deve ser adequada à finalidade a que se presta, na justa medida de tal fim.

    Assim, entendo que o valor de R$

    por cada caso de descumprimento revela-se excessivo, e o reduzo para R$

    por dia de descumprimento a qualquer das obrigações fixadas para o Réu pela presente decisão.

    Conclusão

    Pelas razões acima alinhavadas entendo que se encontram presentes os pressupostos legais necessários à concessão da liminar, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora .

    Neste sentido, DEFIRO A LIMINAR, com efeito nacional,para determinar que o INSS:

    1) adote a rotina de cancelar, no prazo de 48 horas, os descontos feitos em folha de pagamento dos beneficiários, quando houver requerimento dos aposentados e pensionistas, alegando a existência de fraude na contratação dos empréstimos consignados, noticiados à Autarquia Previdenciária;

    Tal requerimento pode ser apresentado por escrito junto à cada agência, a qual terá o prazo de 48 horas para efetivar o cancelamento do desconto no benefício do segurado, a contar da data de sua protocolização junto à Agência.

    Importante pontuar ainda que, segundo informações prestadas pelo INSS em audiência, o referido cancelamento cabe ao Chefe de Benefícios e ao Chefe de cada Agência.

    2) no caso em que forem requeridas suspensões dos descontos após ter se iniciado o período denominado maciça, o cancelamento dos descontos deve ser feito no sistema, via on line , no mesmo prazo de 48 horas acima fixado, devendo entretanto ser comunicado ao segurado, por escrito, que, neste caso, os efeitos financeiros do referido cancelamento só se produzirão no prazo de 60 dias.

    3) a obrigação de afixar em todas as suas agências informativo ao segurado no qual conste expressamente:

    a) que, por força de decisão judicial, os descontos nos benefícios referentes aos empréstimos consignados considerados fraudulentos pelos segurados serão cancelados no prazo de 48 horas, a partir do requerimento do segurado junto à agência, com efeitos no seu pagamento no mês seguinte ao do requerimento;

    b) que é considerado fraudulento o empréstimo consignado que não tiver sido contratado pelo segurado junto à instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil;

    c) que os descontos nos benefícios referentes aos empréstimos consignados fraudulentos pelos segurados serão cancelados no prazo de 48 horas, a partir do requerimento do segurado junto à agência, com efeitos financeiros em seus benefícios no prazo de 60 dias, nos casos em que tais requerimentos forem protocolizados junto às agências no período da maciça;

    d) que o segurado que, falsamente, alegar que não contratou junto à instituição financeira o empréstimo, e requerer junto ao INSS sua suspensão, responderá junto à instituição financeira pelos prejuízos decorrentes de sua conduta ilícita e também pela prática de crime.

    4) restabelecer os descontos em folha de pagamento somente após a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil provar a regularidade do contrato de empréstimo, caso em que o INSS deverá extrair peças ao M.P.F. para a apuração da possível prática de crime pelo segurado;

    5) manterem cancelados os descontos em folha de pagamento caso, após o procedimento administrativo, a instituição financeira ou sociedade de arrendamento mercantil não comprovar a regularidade do contrato de empréstimo.

    6) promova a ampla divulgação da presente decisão nos meios de comunicação social, com a sua publicação em pelo menos um jornal de grande circulação no País, sem prejuízo dos demais meios de comunicação, comprovando-se junto ao Juízo, no prazo de 10 dias.

    O INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL - INSS tem o prazo de 05 dias a contar da intimação da presente decisão para implementar as medidas que se fizerem necessárias ao fiel cumprimento dos seus termos, à exceção de seu item 6, cujo prazo de cumprimento encontra-se ali fixado.

    Findo o referido prazo, aplico ao Instituto-Réu o valor de R$

    pelo descumprimento a quaisquer das obrigações ao mesmo imposta por força da presente decisão, acrescidos do valor de R$ 100,00 por dia em que perdurar cada descumprimento, podendo o valor da multa ser aumentado, se o Juízo verificar que a mesma não foi adequada à finalidade a que se destinou, qual seja, promover o cumprimento da liminar pelo Réu, nos termos em que deferida.

    Além da multa aplicada ao INSS, aplico ainda, com base no art. 14 , V , Parágrafo Único , do Código de Processo Civil , a multa de R$ 100,00 (cem reais) a cada um dos agentes administrativos envolvidos no cumprimento da decisão ora proferida, por cada caso em que não a cumprirem com exatidão e eficiência, ou criarem embaraços ao seu cumprimento, sendo à mesma acrescida do valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia em que perdurar o descumprimento, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis.

    Considerando o princípio da unidade e da indivisibilidade do M.P.F., atribuo a fiscalização do cumprimento da presente decisão aos diversos órgãos do M.P.F. espalhados pelo Brasil, com atribuição para atuar no local no qual forem desenvolvidas as atividades administrativas do Instituto-Réu necessárias ao cumprimento da presente decisão.

    Assim, os segurados de cada Estado da Federação que encontrarem obstáculos ao cumprimento da medida tal como ora concedida deverão se encaminhar à sede mais próxima do M.P.F. de sua localidade, a fim de que o órgão tome as providências necessárias ao cumprimento da ordem.

    Intime-se o M.P.F., devendo o mesmo comunicar aos demais órgãos do Parquet Federal do país do conteúdo da presente decisão, bem como à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

    P.I.

    Cachoeiro de Itapemirim, 30 de abril de 2008.

    ISABEL CRISTINA LONGUINHO BATISTA DE SOUZA

    Juíza Federal Titular

    1ª. Vara Federal de Cachoeiro de Itapemirim

    [1] ROCHA, Daniel Machado da. SAVARIS, José Antonio (cood.), Curso de Especialização em Direito Previdenciário. Curitiba: Juruá. vol. 2, 2007.

    • Publicações672
    • Seguidores2
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1147
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/decisao-emprestimos-fraudulentos-a-aposentados/125091

    Informações relacionadas

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região
    Jurisprudênciahá 4 anos

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI XXXXX-25.2017.4.03.0000 SP

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região
    Jurisprudênciahá 5 meses

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX-66.2021.4.03.6137 SP

    Conheça os 3 principais tipos de audiência

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região
    Jurisprudênciahá 10 meses

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: RI XXXXX-86.2021.4.03.6102

    Petição - TJRJ - Ação Pedido de Restituição (30112) - outros Procedimentos de Jurisdição Voluntária - contra Centro Brasileiro de Mediacao e Arbitragem - Cbma

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)